18
set
06

11.

ir ao banheiro como aventura potencial costuma acontecer com freqüência quando se tem vinte, vinte e poucos anos. evitar as poças de urina ou as paredes infectas de cubículos como este do bar em que encontrei lúcio pode parecer terrivelmente engraçado naquela idade. não mais. se pensar que bebi só o suficiente e nada mais a coisa fica pior. claro, estou metabolizando cerveja mais rápido, é a única explicação.

encarar o vaso sanitário sem pensar em lagostas é impossível.

uma estrela de davi enfeita o botão de descarga. mas está de cabeça pra baixo. será que só judeus podem usar o trono? elogios ‘a capacidade e especialidade sexuais de várias mulheres e homens desconhecidos, assim como alguns telefones pra contato, também adornam as paredes. é um tipo de catálogo pra conoisseurs que não querem usar o auxílio ‘a lista.

reencontro com alguma dificuldade o caminho de volta ao bar. lúcio, apesar de ter bebido três vezes mais que eu, não parece disposto a ir ao banheiro. talvez tenha a ver com o medo do desconhecido que o ameaçou. talvez sua bexiga seja de aço. quando chego ele está ocupado com seu cigarro outra vez e tenho que suportar o cheiro.

"Não tá fumando demais, não?" pergunto, sem muita convicção.

"Não existe essa coisa de fumar demais, Bono. Pelo menos não com um cigarro que nunca acaba."

quase penso em perguntar se a história do fumo abençoado é verdadeira, mas resolvo deixar pra lá. tem outro assunto que quero abordar. e sei que ele entende desse.

"A garota que me contratou pra encontrar a marreta…"

"É boa? Se você tá falando dela deve ser, não?"

"É ótima. Fiz vários filmes mentais com ela enquanto conversávamos no escritório."

"Ainda estão invadindo e roubando?"

"Menos do que antigamente."

"Tá, mas fala da garota."

"O nome dela é Amélia. Mas tem um detalhe que parece ser difícil de superar. Pelo menos pra ela. Eu não me importo."

"Que é…?"

"Ela diz que é freira."

"Ah, isso nunca foi motivo. E freiras são ótimas na cama."

sabia que ele era a pessoa certa pra perguntar a respeito.

"Escuta, Lúcio, vamos dar uma andada? Essa fumaça não ajuda nem um pouco em ambiente fechado."

"Tudo bem. Tem algum lugar em que cê queira ir?"

"Talvez a gente possa passar no FlorAmor."

"Cara, faz séculos que não vou lá."

"Quem sabe a gente não encontra o Vladimir, toma umas vodcas…"

"Boa pedida. Cê sabe se o Vlad ainda lê a sorte?"

"Ele também é metido com essa coisa de ocultismo?"

"Antes de você nascer, meu caro Bono."

"Mas o Vlad tá na nossa faixa etária, pô!"

"Se você acha…"

vladimir não era o nome verdadeiro dele, claro. como a maioria das pessoas com quem me relaciono, ele usava um nom de plum pra preservar o lado legal de sua vida. o "floramor" era um negócio lucrativo que tinha, também, mudado de nome quando vlad assumiu a gerência. antes se chamava "lolita". vladimir quis mudar o nome por motivos óbvios. a associação que se faria de seu negócio com um antro de pedofilia se o mantivesse era óbvia demais pro seu gosto. na mudança, preservou a homenagem a um de seus autores preferidos.

peço a conta ao garçom. ele traz a nota com o valor, e fica sem saber a quem entregar. lúcio, sem dizer nada, aponta para mim. verifico o valor e acho que há algo errado. a conta indica muito mais itens do que consumimos. quando levanto a cabeça para protestar, lúcio me interrompe.

"O valor tá certo. Recebi um conhecido pouco antes de você chegar."

"Então, nada mais justo do que você pagar o que vocês beberam, né não?"

coloco metade do valor sobre a mesa.

"Vai tomar no cu, Bono. Deixa de ser mão-de-vaca e paga logo essa porra dessa conta."

"Mas…"

"Bono, cê vai ficar mais pobre por causa de meia dúzia de cervejas?"

"Tá bom. Mas essa tá no meu caderninho, hein?"

"Fica tranqüilo. Um dia ainda vou ter chance de retribuir. Em dobro. E aí vai ser você quem virá para o ‘meu caderninho’."

sinto um arrepio na base do pescoço, mas evito olhar para lúcio. conto o dinheiro e deixo em cima da mesa, sobre a conta. nos levantamos e, com o indicador, mostro ao garçom que deixamos o que devíamos sobre a mesa.

minha cabeça gira. marretas sagradas, cigarros infinitos, amigos que desconheço e lagostas. acho que a bebida está fazendo efeito.



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