Arquivo para 14 de agosto de 2006

14
ago
06

3.

“A princípio, ouvir o que tenho a contar, sr. Profit.”

gosto disso. me dá a impressão de que sabe com exatidão aquilo que quer.

“As Escrituras não mencionam isto, mas nós sabemos.”

nesse ponto, começo a divagar um pouco… por quê o plural? se soubesse tratar-se de uma egomaníaca seria mais fácil entender, mas há um quê de modéstia em Amélia, um je ne sais quoi que parece indicar justamente o contrário. ela sequer percebe como seu corpo maravilhoso pode desconcentrar um homem exposto ‘a essa visão por mais que alguns segundos.

“Um dos muitos documentos apócrifos, supostamente escrito na época, descrevia em detalhes o procedimento todo. Pesquisas médicas recentes, a moda cinematográfica de saber os detalhes mais sangrentos da tortura e reconstruções a partir de ossos encontrados ainda pregados ao madeiro corroboraram a versão a que tivemos acesso.”

agora, de que diabo essa mulher está falando?

“A identidade do romano mencionada no texto pode ser só uma licença poética, ao que sabemos.”

aqui, por algum motivo, lembro num flash do sonho que tive na madrugada anterior. um híbrido de rato e macaco que defecava lagostas vivas e era, na verdade, o alienígena de estimação de minha mãe.

“Sabemos que é relativamente fácil encontrar a depressão entre o pulso e as extremidades da ulna e do rádio, e que, dependendo da qualidade das ferramentas de que dispunha, um centurião romano bem treinado – e bem auxiliado – poderia crucificar um homem em poucos minutos.”

“Se quisesse.”

pistas? será que ela está me dando pistas de onde quer chegar com isso?

“Livius, soldado com nome de poeta, apalpava os pulsos de um ladrão que desconhecia totalmente. O homem praguejava em seu idioma natal e o soldado evitava encará-lo, preferindo, ao invés disso, examinar minuciosamente aquela região de sua anatomia. Quando pensou ter encontrado o ponto, pressionou com um pouco mais de força e o silêncio do ladrão deixou claro que ele entendeu o que estava prestes a acontecer. Livius decidiu mentalmente que abreviaria o sofrimento daquele infeliz quebrando-lhe as pernas, se ele continuasse calado.”

“E ele continuou, até o primeiro golpe da marreta.”

“Embora os romanos – e todos os seus predecessores – ignorassem que a inserção de um cravo metálico naquela região anatômica provocasse um excesso de pressão nos nervos medianos, eles conheciam muito bem os sintomas que aquele procedimento em particular provocava. O ladrão urrou de dor, mas o centurião já apalpava o outro pulso, demorando um pouco mais desta vez para encontrar o local a ser pregado. Mais dois golpes.”

“Livius convocou seus dois colegas e ambos ergueram o ladrão pelo patibulum onde agora estavam pregados os seus pulsos. Enquanto seus dois companheiros terminavam de fixar o patibulum na extremidade do stipes, Livius preparava os pés do ladrão para serem cravados na madeira. Fixar os pés era ligeiramente mais fácil. Bastava atravessar os calcanhares com os cravos e fixá-los nas laterais do stipes.”

“Trabalho feito.”

“Era hora de crucificar o terceiro, um insurgente popular ou algo assim, Livius não estava bem certo. Com a marreta em mãos, ele foi conferir os cravos. Estava faltando um.”

“Uma menina dos Sintos correu neste momento distraindo o romano e um homem moreno, vestido em trapos, coberto por cicatrizes de chagas recém-curadas puxou a marreta de suas mãos, desaparecendo a seguir na multidão.”

“O homem amarrado ao patibulum, por algum motivo desconhecido, sorriu, respirou um tanto aliviado com o adiamento da pena apesar das feridas em suas costas agora estarem incrustadas de pó e pedrinhas.”

“Livius não pôde deixar de achar graça naquilo tudo. Afinal, havia mais marretas que poderiam ser usadas. E procedeu, assim, até o galpão onde as ferramentas eram guardadas para substituir a que fora roubada.”

“A menina e o ex-leproso juntaram-se ‘a caravana que partia para a Grécia levando as relíquias que não feriram o salvador. Uma vitória vã, pequenina, mas significativa para uma raça discriminada por seus costumes nômades e misticismo.”

“Deixaram-nas no que hoje é a parte grega de Chipre. Foi lá que 50 anos depois Paulo de Tarso encontrou e abençoou a ferramenta e o instrumento de suplício. Durante a Primeira Cruzada, Pedro, o Eremita carregou-as consigo e um de seus discípulos menos conhecidos as trouxe quando voltou ‘a França, ferido e alquebrado.”

“A Ordem foi fundada no reino emergente de Portugal pouco tempo depois por um templário que desapareceu antes do início da perseguição a seus pares por Felipe, O Belo. Ele subtraiu as relíquias da França e foi um dos sobreviventes do massacre.”

“A Ordem de Cristo, por sua vez, trouxe-as ao Brasil e deixou-as sob responsabilidade dos primeiros jesuítas.”

“Elas permaneceram intocadas em nosso poder pelos últimos 500 anos.”

“Até 3 dias atrás.”

ah, sim. acho que é aqui que eu entro.




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