30
nov
06

33.

enquanto caminhamos, não é difícil perceber que sou o centro das atenções. ou melhor, a oriental mignon que me acompanha. nada me lembra do fato de eu estar me sentindo bem. aliás, o fato de estar se sentindo bem só é notado de verdade se você acabou de sair de um período em que se sentia como um monte de lixo. o que não é o caso. Izzy e eu acabamos, isso sim, de batizar a seção dos clássicos da biblioteca pública. e ainda assim me sinto bem, mesmo sem uma corrida descalço e ‘as pressas ao orquidário. deve ter a ver com o prego em meu bolso. a energia deve me fazer bem. a energia da fé dos outros no artefato. Izzy, sendo do ‘outro time’ (quer seja no bom ou no mau sentido), não parece nem um pouco tocada pelo valor religioso da peça.

"Izzy, você tem algum trocado aí?"

"Vai começar a cobrar pelo serviço agora?"

"Hmmm… vou!"

"De quanto você precisa?"

"Quanto é necessário para deixar um mendigo viciado em crack feliz?"

"Pouco, acho."

"E, você tem?"

"Tenho quanto você quiser."

penso no meu laptop novo. por que não? acho que sou moral demais pra isso, eis a resposta. como a grana pro zumbi viciado em metanfetamina não vai me trazer nenhum benefício direto é mais fácil aceitá-la. ela saca um maço de notas  de  cinquenta sei lá de onde e me passa, no meio da rua, como se estivesse me entregando um bloquinho de papel ou um cigarro.  por falar nisso:

"E um cigarro, você tem aí?"

"Tá me achando com cara de quê?"

"Quebra essa, vai Izzy."

desta vez tento olhar de onde ela puxa as coisas, mas, como uma ilusionista televisiva, suas mãos foram mais rápidas que meus olhos. de repente estava lá. outro maço, agora de cigarros. achei engraçado e esbocei um sorriso enquanto rompia o plástico que separava minhas doses de nicotina e alcatrão de mim. ele/ela parece gostar.  tento não acreditar que esteja rolando um clima. tento não pensar que estou transando com uma coisa de outro mundo. tento não pensar que essa coisa, a qualquer momento – se é que já não fez isso – pode querer inverter as regras do jogo, se é que vocês me entendem.

"Izzy, diz aí, o que você sabe da Marreta?"

"Querendo dar uma de esperto para cima de mim, Lucas?"

"Não, só curiosidade mesmo."

"Tá."

e é tudo que ela diz. de verdade. não fico surpreso. talvez ela não ache adequado falar do item em questão por se tratar de uma relíquia sagrada ‘do outro lado’. talvez pra ela tudo isso não passe de algum jogo e falar comigo da marreta pode ser contra as regras do dito cujo.

puxo, devagar, um dos cilindros brancos do maço e ponho entre os lábios. penso em bogart. penso mesmo. e mudo de idéia. recolocar o cigarro no maço é difícil mas consigo. estendo-o de volta ‘a ela e pergunto:

"Tem como arrumar um quartilho de Jack Daniels?"

"Tá começando a abusar, héin, Profit!"

mesmo assim ela providencia.

bebo um gole longo, quase sem respirar, correndo o risco de engasgar e tossir mas me sinto bem quase imediatamente. o torpor aveludado do uísque.



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